sábado, 19 de julho de 2014

RETRATAÇÃO NECESSÁRIA

NOTA DA REDAÇÃO: o texto abaixo é uma retração necessária, conforme o título elaborado pelo autor, mas é também uma reflexão acerca dos milhares de logadouros, prédio públicos e escolas públicas com o nome de ditadores criados pelo regime militar brasileiro entre 1964 e 1985.

por Silvio Prado*

Conforme dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) 3.135 escolas do ensino básico da rede pública brasileira ostentam o nome de um dos 34 presidentes que governaram o país desde a Proclamação da República, 1889.

Desse total de escolas, 976 homenageiam presidentes impostos pela ditadura militar instaurada em 1964. Portanto, temos quase mil instituições destinadas ao ensino e aos valores democráticos homenageando brucutus demolidores da democracia, criando um regime que censurou, perseguiu, prendeu, torturou, matou e fez desaparecer corpos.

Dentre os ditadores, o marechal Castelo Branco, que governou entre 1964 e 1967é quem tem mais instituições escolares lembrando tão triste figura. Em segundo lugar, aparece Costa e Silva, criador do terrível Ato Institucional número 5. Porém, as marcas e homenagens aos ditadores brasileiros não se resumem aos prédios escolares.

Mesmo terminando em 1985, a ditadura deixou marcas, não apenas na vida dos diretamente perseguidos por ela. Por isso, entre os milhares de municípios brasileiros poucos não têm uma rua que ostente o nome de algum dos generais ditadores. No Rio de Janeiro, a conhecida ponte Rio-Niterói, oficialmente se chama Ponte Presidente Costa e Silva. Em Campinas, São Paulo, temos três bairros que lembram a ditadura e seus brucutus: Vila Castelo Branco, Vila Costa e Silva e Vila 31 de março, em homenagem ao dia do golpe.

No âmbito do esporte, os ditadores militares também foram homenageados. Temos em Itabaiana, Sergipe, o estádio presidente Emilio Garrastazu Médici. Em São Bernardo do Campo, o famoso Baetão, localizado no bairro Baeta Neves, verdadeiramente não se chama Baetão, mas Umberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro dos ditadores.

Já o grandioso Mineirão, totalmente reconstruído para os jogos da Copa, não se chama Mineirão coisa nenhuma. Se não leva o nome de algum general ditador, o estádio ostenta o nome do ex-governador de Minas, Magalhães Pinto, proprietário do antigo Banco Nacional e um dos principais articuladores e financiadores do golpe.

Até recentemente, em Belo Horizonte, havia uma rua homenageando Dan Mitrione, o policial norte-americano que a CIA enviou para dar aulas de tortura para policiais brasileiros. Depois de cumprir sua missão por aqui, Mitrione foi prestar serviços macabros aos ditadores uruguaios, mas acabou sequestrado e morto pelo grupo guerrilheiro Tupamaro, grupo que trazia entre seus lideres a figura impar que hoje ocupa a presidência daquele país, José Mujica.

Sergio Paranhos Fleury, sanguinário delegado e símbolo da repressão imposta pelos militares, também foi homenageado com nome de rua na capital paulista.

No entanto, com os 50 anos do golpe militar ganha corpo um movimento para varrer de locais públicos o nome da gentalha que em 1964 arrancou do poder um governante democraticamente eleito. Causa repulsa saber que gente criminosa possa continuar sendo nome de rua, avenida, hospital, estádio de futebol, praça ou escola.

Se o nome do instrutor de tortura Dan Mitrione, depois de grande pressão popular, foi arrancado de uma rua de Belo Horizonte, o mesmo está acontecendo com escolas públicas da cidade de Salvador, Bahia. Desde o começo do ano, o colégio que se chamava presidente Emilio Garrastazu Médici passou a se chamar colégio estadual Carlos Marighela, baiano, comunista que, resistente aos militares, foi covardemente emboscado e morto na Alameda Casa Branca, São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969. A comunidade escolar, ao tomar conhecimento do governo truculento de Médici, exigiu a mudança.

Outras escolas de Salvador andam pelo mesmo caminho. Alunos da escola Presidente Castelo Branco estão trocando o nome do ditador pelo de um personagem histórico incomparável: Nelson Mandela.

Na escola estadual do Bairro de Vila Nova, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Costa e Silva foi para o limbo e hoje o prédio escolar daquele bairro homenageia Abdias Nascimento, figura inquestionável na luta contra o racismo, criador do Teatro Experimental do Negro, perseguido pela ditadura e exilado durante os anos de chumbo nos Estados Unidos.

Também, em Cascavel, no Paraná, em março passado, alunos da EE Presidente Costa e Silva rebatizaram o prédio com o nome do Edson Luiz da Lima Souto, estudante assassinado em 1968 pela ditadura.

Em Belém do Pará, homenageando a guerrilheira Helenira Resende, também morta pelos militares, centenas de estudantes exigiram o nome de Helenira substituindo o do truculento Costa e Silva.

Em Vitória, Espírito Santo, vereadores também propõe a troca do nome de escolas. Saem os militares, entram suas vítimas, ou seja, pessoas que deram a vida lutando por um regime democrático.

Indo além das escolas, o Comitê Memória e Justiça de Mato Grosso do Sul pede mudança no nome de duas importantes vias de Campo Grande, as avenidas presidente Costa e Silva e presidente Ernesto Geisel.

A famosa ponte Rio-Niterói, por exigência da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, logo deixará de ser Ponte presidente Costa e Silva para ganhar o nome do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.

Em Campinas, SP, os dois bairros que levam o nome de generais ditadores e o bairro que leva o nome 31 de Março também serão substituídos. Vitimas da truculência do regime certamente terão seus nomes devidamente lembrados na substituição.

Enfim, o Brasil parece experimentar uma interessante revisão de sua história. Na medida em que avança o debate sobre os anos de chumbo impostos pelos militares, a consciência democrática da população exige uma espécie de limpeza em milhares de locais públicos.

Ao invés de cultuar a memória de quem censurou, perseguiu, prendeu, torturou, matou e fez desaparecer corpos, a população passa a exigir que as vítimas da truculência militar (mesmo que muitas ainda tenham seus restos mortais desaparecidos) ocupem espaços que só devem ser ocupados por aqueles que acreditaram e lutaram por valores capazes de sustentar uma democracia.
*Silvio Prado é professor

Fonte: www.iranilima.com

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