domingo, 9 de fevereiro de 2014

Ary Evangelista de Rezende Barroso (1903-1964)

Foi exatamente num domingo, 09 de fevereiro, há exatos 50 anos, que um dos compositores mais populares da nossa música faleceu, vítima de cirrose hepática. Era carnaval, ocasião mais que propícia para a despedida de alguém que criou sambas e marchas memoráveis e falou de um “Brasil bem brasileiro”: Ary Barroso (1903-1964). O neto dele Márcio Barroso, 54 anos, responsável pela Editora Aquarela do Brasil, que administra as músicas do avô (são cerca de 450), era muito garoto na época, mas tem lembranças do dia. Toda a família (Ary, a esposa, Ivonne, os filhos, Mariúza e Flávio, com os cônjuges e os cinco netos) morava num casarão de três andares na Ladeira Ary Barroso, no Leme, Rio de Janeiro, e ele se lembra da mãe chorando pelos cantos. “Minha mãe ficou muito triste, claro, e ela tentava esquecer arrumando as coisas, para se distrair – pegou o escovão e foi esfregar o chão da sala. É uma cena que ainda está forte na minha memória. Mas o engraçado é que não me recordo do enterro, do velório nem de quando meu avô foi para o hospital. Acho que eles tentavam proteger as crianças. Mesmo assim foi um dia realmente muito triste”, conta Márcio.

Nada de especial marcará o cinquentenário de falecimento de Ary, a não ser a chegada às lojas e sites especializados da caixa Brasil brasileiro, que traz 20 CDs com 316 regravações do autor de Aquarela do Brasil, No rancho fundo e Na baixa do sapateiro, e que foi lançada pela Novodisc/Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS), em novembro.

Idealizado pelo professor de biologia, psicólogo e pesquisador paulista Omar Jubran, o box levou 12 anos para ser finalizado. Para ele, a MPB tem três pilares fundamentais: Noel Rosa, Lamartine Babo e o próprio Ary. Segundo Jubran, eles podem até não ser os melhores compositores do Brasil mas certamente foram os responsáveis por mudar a lírica da nossa música.

Linguagem rebuscada
No caso do artista mineiro, que nasceu em Ubá, na Zona da Mata, provavelmente pelo fato de ter se formado em direito, ele tinha uma linguagem bem rebuscada e acabou se tornando referência para outros artistas, caso de Tom Jobim, por exemplo. “Ary Barroso deu nova cor à música popular. Todas as boas composições brasileiras, sejam contemporâneas ou não, têm uma pitadinha tanto dele como de Noel e de Lamartine. Enquanto Noel Rosa se tornou uma espécie de repórter do Rio de Janeiro e Lamartine Babo falava por entrelinhas, Ary conciliou essas duas características e, mesmo utilizando palavras mais sofisticadas, fazia letras que eram assimiladas por qualquer pessoa. E ainda era excelente melodista. Juntou tudo isso e caiu no gosto popular”, destaca o pesquisador.

Além da caixa, que ganhou apenas 1 mil edições (e deve ser ampliada), Márcio Barroso avisa que há a intenção de fazer outras ações, como um documentário. Já que o acervo pessoal do avô (fotos, troféus, partituras, cachimbos e dois pianos) está sob a guarda da família, eles poderão até criar um museu. “No Brasil é tudo muito complicado. Quero que as pessoas voltem a se lembrar dele. É engraçado como o norte-americano sabe trabalhar isso muito bem e valoriza seus verdadeiros ícones. O brasileiro tem memória muito curta e, apesar de o nosso trabalho ser de formiguinha, vou fazer de tudo para que meu avô não seja esquecido”, enfatiza.

Márcio conta que, ainda que tivesse fama de ranzinza e mal-humorado, Ary Barroso era extremamente carinhoso em família, e não se importava com a bagunça que os cinco netos faziam, até brincava com a meninada. “Eu me lembro dele bem velhinho com um robe dentro de casa e uma das recordações mais marcantes foi uma tarde em que mamãe reuniu todos para assistir a um programa de televisão de que ele estava participando. Eu não entendia como vovô tinha ficado tão pequenino para caber dentro da TV”, diverte-se.

Memorial não saiu do papel
Em Ubá, onde Ary Barroso nasceu, ainda há parentes do compositor, além de uma preciosidade: o piano em que o artista aprendeu a tocar e que pertenceu a tia Ritinha, que o criou, quando ele ficou órfão de pai e mãe. A ideia é que o instrumento, tombado, vá para um memorial a ser construído na cidade. Por enquanto, o projeto da construção do espaço está parado. Em novembro, mês de aniversário do compositor, foi inaugurada uma estátua batizada de Ary Barroso ao piano, na Praça São Januário, como parte da programação do Prêmio Ary Barroso de Música, realizado anualmente no município.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil de Ubá, Miguel Gasparoni, ex-presidente do Conselho do Patrimônio Cultural da cidade, é admirador do conterrâneo ilustre e lembra que, certa vez, foi até o Rio entregar uma cópia do registro original do nascimento de Ary Barroso para Mariúza, sua filha. Segundo o advogado, ela ficou tão emocionada que mostrou o enorme acervo de seu pai, a começar pelo piano onde ele compôs, em uma única noite chuvosa, Aquarela do Brasil. “Trouxemos todo esse material para Ubá, para montarmos o Memorial Ary Barroso, que seria na Praça da Estação, onde havia busto construído em homenagem a ele. Infelizmente, por falta de vontade política, até hoje o projeto não foi concretizado. Quando fui vereador e presidente da Câmara, propus a denominação da praça que se situa no trevo da rodovia Ubá-JF-Visconde do Rio Branco como Praça Aquarela do Brasil. Lá, plantamos ‘um coqueiro que dá coco’ e colocamos um monumento com a imagem em aço da Bandeira do Brasil e de um ‘mulato inzoneiro’. O espaço foi inaugurado por seu filho Flávio Rubens (já falecido)”, revela.
Fonte: www.uai.com.br

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